manifestos

manifesto(-me) anti-gaivota não gosto de ti. nem de ti, nem ti… não gosto de gaivotas! pássaros antipáticos; reles! dizem que as cegonhas trazem os bebés. pois pelo choro que se ouve noite dentro só podem ser as gaivotas que os levam… são más! e os gatos pretos dos telhados, de bigodes e meias brancas, não dão conta do recado. nascem da alteração do clima. que nem peste branco-acinzentada do século 21. deixaram a praia da minha infância, onde se amantizavam com o mar, para viver nos telhados e nos becos sujos da minha rua. trocaram a poesia pelo caos. o céu, já tantas vezes cinza, torna-se pardo… abutre-sobre-azul. não prestam! matam os cães, comem-nos e ficam-lhes com o lixo. qual símbolo perfeito duma mudança holocáustica. a antítese da pomba branca da paz que outro dia me poisou na janela. contagiam-me com a angústia que se multiplica nos olhos vazios de tantos. dos que vivem sozinhos no meio da multidão. 2006

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uma metáfora em IV actos expliquem-me como se eu fosse mesmo muito burra onde estão hoje os pensadores à frente do tempo…os profetas da história. os génios. aqueles que descobrem lógicas, inventam objectos, dormem quatro horas por dia e decidem a própria morte. todos os que desenham novas filosofias. onde estão hoje os heróis e os tiranos? onde estão os homens que me conseguem provar que a capacidade de renovação da natureza e do homem não está a bater o zero. os substitutos dos autores da velocidade-da-luz a que gira hoje o planeta, dos modelos de sociedade actuais à beira da falência e de um futuro vazio de ideias. os tais que criaram esta vida que se vive seguramente à frente dos princípios e dos ideais. os sapiens que nos últimos 50-anos-equivalentes-a-500-na-história confundiram a capacidade de adaptação do ser humano. onde estão os polegares próprios para os telemóveis, os upgrades cerebrais, os respectivos chips de substituição nos dentes e os filtros UV incorporados nos olhos? onde estão hoje todos os que, em vez disso, nos mostram que não somos apenas indivíduos mais livres e por isso tão insatisfeitos, impacientes, inseguros… aqueles que acreditam que podemos ser sempre mais do que uma simples metáfora de nós próprios e destes nossos “ins”? os que me vão mostrar que, no último acto, o meu coração não é um mero músculo involuntário e que tudo isto valeu pelo menos um maior domínio da nossa massa cinzenta anónima. onde estão hoje os homens que escrevem a história de amanhã? 2006

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voltei voltei. voltei de onde nunca cheguei a estar, mas onde tive de ir… para poder saber. a cegueira, escreveu o saramago, é a condição implícita da lucidez. e deixar-de-ver-para-depois-ver-melhor é o mesmo que dizer que cometer erros – como geme a guitarra do lennon – é um modo de aprender. ou que sofrer, como pensou proust, é a única forma de não estagnar. frases feitas. que podem ser vazias… ou não. se, tal como o principezinho, assumirmos que nem sempre o essencial é visível aos nossos olhos. diz o meu pai – aquele que me ensinou a sonhar – que não é na fantasia nem na “excitabilidade-extrema” que conseguiremos encontrar o-não-sei-o-quê que perseguimos. ou fugir de [ou para?] esse abismo-sedutor sobre o qual não resistimos espreitar… digo eu. simples. tão simples como ser tão óbvio que se não gostarmos de nós nunca conseguiremos amar ninguém. ou que é dentro de nós que temos de procurar “O” sentido. ou ainda que é nessa simplicidade dos momentos – deste mar que me canta todos os dias ao ouvido ou daquela estrela que está sempre ali no canto negro do céu – que se encontra a felicidade. tudo o resto é vão. e solidão. hoje. a palavra-chave que me custa tanto engolir… porque se nem no país-das-maravilhas-da-alice “hoje nunca é o dia de amanhã”, então aí reside a condição fundamental. o equilíbrio necessário àqueles que, como eu, vivem no fio da navalha. voltei. e é aqui, nesta minha-vida-real-comigo-cheia-de-frases-absolutas, que me apetece viver… nem que seja só por hoje. 2006

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over the limit … ou não! dou por mim a pensar nisso. nos nossos princípios e nos nossos limites. nos outros. em nós. e somos sempre dois! cada um no seu querer. e queremo-nos todos. numa fronteira atribulada de neurónios e feromonas. somos tanta coisa e tanta gente que nos perdemos nos limites. precisamente aqueles que, ainda que timidamente, fizemos questão de destruir. esses dos nossos-outros-eus das gerações anteriores, que agora suamos para reproduzir. porque perseguimos exactamente o mesmo fim: paixão! … mimo, protecção. uma família, de sangue ou não. trabalho, realização. honestidade, lealdade e amizade. viagens e animais de estimação. nas suas muitas equações possíveis. e queremos tudo! sob ameaça de amuarmos para o mundo, como se ele se fosse importar com isso. e com intensidade. sem pudor nem receio de pedir o que não damos… por falta de atitude. ou porque não sabemos. perdemos-nos na tradução. na informação. somos pessoas-mosaico. estórias paralelas ou caminhos que se cruzam. sempre um link para outra coisa qualquer. e sobra-nos espaço! diz-se p-o-s-s-i-b-i-l-i-d-a-d-e. que, à luz da história-mãe-da-humanidade, se traduz em liberdade. utópica, ilusória, manipulada, chamem-lhe o que quiserem. mas é uma liberdade. pequenininha. e que infelizmente não é para todos. mas que nos leva a furar barreiras. permite-nos quebrar o silêncio! a mim. ao outro. a cada um de nós. a todos os que se debatem diariamente com o vazio emocional do dia de amanhã. porque somos nós que riscamos a fronteiras… de consciência, de vontade, de desejo, de coerência, de equilíbrio, de honestidade, de pensamento. esse “limite” que é uma espécie de “novo pecado”, de super-ego renovado no seu papel de super-herói. que nos conduz nas relações e nas acções e que nos trava delas. um limite tão novo, que ainda não sabemos. não nos sabemos ser nele. 2006

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