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impresso-improviso
quem sou eu, espelho meu… sou o curioso que passa, o turista da sé, o morador da rua escura, a peixeira do mercado; sou pintor, esteticista, empreiteiro, informático, estudante, jovem artista. sou o pessoal operário à saída da fábrica confiança. nasci aqui ou sou de cá. português, angolano, indiano, lituano, brasileiro, chinês ou cigano. sou um de 27 mil entre os 220 mil e tal. Ler mais…
férias
uma astronauta, uma vaqueira e uma varina. uma casa sem telhado para se verem as estrelas mais brilhantes. um monte sobre as terras altas do alentejo. um piano admiravelmente triste e uma melancia alcoólica. e mais uma piscina com muitas gentes. e um pedaço de rio sem absolutamente ninguém. uma cegonha e uma águia no céu, um presumido javali e uma cobra imaginária. o pereira e a dona belita e a mulher do presidente da junta. um teatro que não se chega a entrar e uma actriz que se gosta de conhecer. azinheiras e sobreiros, pão e vinho. uma mesa requintada para motivar a partilha. a imaginação livre e sempre a esperança. uma fotografia dos anos setenta com três rockers destruídos. barrigas cheia de mimo e risadas altas. uma lágrima descontinuada para lembrar que a existência é real. 2009
hoje parti um espelho
hoje parti um espelho. um desafio à sorte, que me permite passar para o outro lado. ouso olhar para mim e encontro-me na rua da abundância. da velocidade imposta, da dependência absoluta, dos saberes dispersos, das armas disparadas, da natureza desprezada, das leis duvidosas… se esta rua fosse minha, regava todos os dias o meu jardim! usava o ar parar respirar e viajar, o mar para mergulhar e pescar, o outro para amar, o trabalho para actuar. porque somos todos iguais na efemeridade. porque prisão maior é a da ignorância e da indiferença. porque se a originalidade pode estar em vias de extinção, a criatividade não. desisto então de desvendar o mundo, para apenas me localizar nele. olho ao espelho e estico o dedo: estou aqui.
o peso do beijo
medo é memória
medo é paralisia, timidez, ansiedade. rédea curta. medo têm todos os homens. acima da raça, crença, classe, nacionalidade, clube. além do rótulo. medo é condição humana. faz-nos acreditar. motor do sonho, do conhecimento, da conquista. uma questão de sobrevivência. medo tem do outro lado a liberdade. mundo de heróis. iguais e diferentes, vencedores. o princípio da esperança. medo não tem no seu pior a morte. dela nasce a memória. na história, no livro, no disco rígido, no coração. medo mau é o que temos de nós. do ridículo. da solidão. de um beijo no escuro. mede vence-se com partilha, troca. um processo de transferência. de frontalidade em rede. medo é do que somos feitos. eterna matéria efémera. 2009 + conclusões banais
o meu sonho
uma incongruência debaixo da pele
há coisas que só acontecem aos gatos. engasgam-se com o pêlo, perseguem o rabo, assustam-se com o próprio susto. explode-lhes o coração. Ler mais…
mulher-de-emergência 4.2
a mulher moderna levanta-se cedo, mas atrasa-se sempre. maquilha-se e rodopia perfeita em sapatilhas o dia inteiro. empenha-se naquele trabalho que faz de si a mulher realizada e independente, que lhe permite conduzir-se em quatro-rodas-autónomas nesse final de tarde às compras… para chegar a casa e cozinhar um delicioso jantar de coisas frescas e verdes. a mulher moderna come fruta e não tem vida para ginásios. arranja as sobrancelhas e depila as pernas e encravam-lhe os pêlos nas virilhas das tantas depilações que faz. a casa da mulher moderna é um palacete onde gasta as mãos porque não ganha o suficiente para pagar a uma mulher-a-dias que lhe lave, limpe, seque e engome a vida. ainda assim, a casa da mulher moderna está limpa, a mobília perfumada e as roupas estendidas nos armários ou noutro sítio qualquer do seu percurso de utilidade para seduzirem o corpo que as há-de vestir de enfiada na manhã seguinte. Ler mais…
mulher-de-emergência 0.1
as-pequenas-coisas…
comecei a escrever com hífenes quando li o-deus-das-pequenas-coisas. a autora indiana fazia-o com maiúsculas. há conceitos que cabem melhor dentro destes comboios-de-palavras. uma espécie de compactação de ideias que responde às necessidades de velocidade e de imediatismo. e de superficialidade, pois assim não é preciso dizer tanto… até porque já não há tanto que dizer. e muito pouco para inventar. nada que imite a descoberta da roda ou do fogo… nem tão pouco que simule algo infinitamente menor do que isso. o nosso momento, esta migalha-de-tempo-de-vida, não é um épico! e a diferença, creio, está nas pequenas-coisas. nestas que estão aqui à mão. na palavra para inverter a-crise-e-o-mundo-e-o-preço-dos-combustíveis-e-a-falta-de-valores, mas isso fica para o próximo post. na liberdade de acção para reinventarmos a pessoa, essa que é a valia de não termos nascido na idade média. na possibilidade de atravessarmos a rua para descobrir o outro lado… e conhecermos a nossa sombra, individual e única. mas há um trajecto implícito: caminhar pela estrada antes de atravessar. e lá, no fim do percurso, que é sempre apenas mais um, podemos então morder a tarde-de-amora-com-sabor-a-amor e, quem sabe, roubar o beijo de alguém… como no filme. 2006